Ele parecia que estava sempre de mau … humor.    

 Talvez porque não bebia.    

  Deixava que o copo cheio ficasse olhando para ele.               

 Mesmo que fosse uma boa cachaça.   

 Talvez porque adorasse um jazz.    

 E eu, amigo antigo, sou do blues, de um alambique, da destilada.               

 Mas a gente sempre se entendia.  

 Falávamos  na linguagem dos livros de que ele tanto gostava.

Desde quando a gente era setorista no Palácio do Planalto, ele pelo O Globo, eu pela Folha de São Paulo, sucursais de Brasília.         

  Até que a gente, na segunda, discutiu:             

 – Arraes, se não me trouxer esta cachaça especial que tu ganhaste de presente, e que vale uma grana, é melhor não falar mais comigo.       

 Nesta terça, ontem, ele me trouxe a bela Seleta de Salinas,  que  ele havia me hipotecado desde meu aniversário, em janeiro, em minha casa.        

  Ainda brinquei:                

 – Está fechada, com selo e tudo?                

 Foi uma provocação (a última de centenas) porque ele nunca aceitou garrafa de cerveja trazida à mesa  pelo garçom sem ser aberta  na frente dele.               

 E por que este lero-lero todo?  

Pelo seguinte.     

Acabo de receber o telefonema.                

O Arraes morreu.                

 O corpo está sendo guardado.      

 Logo mais, vira cinzas, nada mais.         

Ah. No teu velório, hoje à tarde, sequei,  com outros amigos e amigas, a garrafa da linda cachaça.        

O copinho sujo, só para te chatear, passou de boca em boca, enquanto contávamos piadas mais ou menos leves.        

Então, seu Arraes (Antonio Roberto Arraes).    

Continues um chato, tá?     

Principalmente com este pessoal que foi antes da gente.               

 Um abraço neles.               

 Do teu amigo, o outro (chato) ainda vivo,               

 Mamcasz                

          

                                                                         

Leia:            

http://agenciabrasil.ebc.com.br/home?p_p_id=56&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=2&p_p_col_count=3&_56_groupId=19523&_56_articleId=1042896    

     

From Cruvinel:    

” Todos nós, da EBC, fomos tomados pela tristeza e pelo espanto  esta manhã, com a notícia de que Antonio Arrais morrera durante a noite, vítima de um infarto fulminante.  Como muitos de nós, conheci  Antonio Arrais há mais de 20 anos atrás, e com ele convivi  em muitas oportunidades,  desde quando éramos repórteres de política de O Globo, no final do regime militar, até os dias de hoje, quando presido a EBC que, pela incorporação da Radiobrás,  passou a ter entre seus quadros jornalistas como Arrais, dedicados à profissão e à causa da comunicação pública.
Em minha gestão, convoquei-o para ajudar na implantação da área de comunicação social, na qual ele acumulou experiência quando serviu à Procuradoria Geral da República, cedido pela Radiobrás.  Arrais prontamente atendeu, e quando outra necessidade surgiu, na Agência Brasil, com a saída de uma editora, valemo-nos também dele para suprir a lacuna. 
Posso dizer, em nome de todos os colegas da EBC, que Antonio Arrais foi um cidadão de seu tempo e um jornalista exemplar, pautado pela verdade e o interesse público no ato de informar.
Fiquemos todos com seu exemplo, compartilhando nossa dor com Thelma, sua mulher, com os filhos Leonardo, Daniela, Marcelo e Rodrigo e todos os amigos, pedindo a Deus que nos dê força e resignação para atravessar este momento. “
Tereza Cruvinel
Diretora-presidente
 (EBC)

*** 

Casos do Arrais
From Wilson Ibiapina (direto do velório)
“Como repórter correu o Brasil e o exterior fazendo coberturas, acompanhando presidentes. No velório, Roberto Stefanelli lembou a viagem que fizeram a Mato Grosso, acompanhando o presidente Figueiredo. Beto pela Folha e Arrais pelo Globo. Depois de um dia corrido de cobertura chegam exaustos ao hotel, pedem a conta e a nota fiscal, exigida pela tesouraria do jornal na hora de prestar contas dos gastos da viagem. Em nome de quem? Tira em nome de O Globo, diz Arrais. Já estavam voando de volta a Brasília quando Arrais resolve conferir as notas fiscais. Tudo OK, perfeito, só um porém. A nota mais alta, fornecida pelo hotel, estava em nome de Hugo Lobo, no lugar de O Globo. Fazer o que com aquele funcionário do hotel que não compreendeu suas palavras?
Rejane Limaverde, que morou no apartamento dele quando chegou do Ceará, lembra que ele era cheio de mania. Por exemplo: mesmo atacado pela gota não abria mão de um pedaço de carne no almoço. No restaurante Beirute tem um prato batizado de Filé do Arrais. Outra mania: detestava quando alguém pegava no copo em que estava bebendo. Mandava trocar na hora. Um dia, tirou as lentes de contato e colocou num copo com água. Segundo ele, para não ressecar. Era época de baixa umidade do ar, como agora. E cochilou o suficiente para o Emerson de Souza esconder o copo com as lentes e colocar outro no lugar . Ao despertar, flagrou o Emerson simulando que estava bebendo a água. Arrais, já irritado, gritou desesperado “cuidado com as lentes no copo” . Quando descobriu a brincadeira do colega ficou mais zangado.
Apesar de ser metódico e mau humorado era muito querido pelos amigos que se divertiam com o seu jeito de ser. Apaixonado por livros e CDs, era fã da voz de Gal Costa. Dizia que se ela gravasse um “reclame” da Coca-cola, ele comprava.
Sua última promessa foi paga na manhã em que morreu. Levou para o colega Mamcasz a garrafa de cachaça velha que havia prometido. Mamcasz ainda brincou: -Está fechada, com selo e tudo? A provocação tinha sentido. Arrais nunca aceitou garrafa de cerveja trazida à mesa aberta pelo garçom sem ser na frente dele .
Na noite daquela mesma terça dia 14, em casa, ao lado da mulher Thelma, foi traído pelo coração, que resolveu parar bem na hora do jantar. Deixou além da viúva, quatro filhos.: Marcelo, Rodrigo, Leonardo e Daniela. O corpo cremado, vira cinza. Suas histórias, como na literatura de cordel vão passar de boca-em- boca. Vão se espalhar mantendo viva a sua memória. Um jornalista “tolerância zero” que gostava de música, da família, de comer carne, dos amigos, de livros, da vida.”

http://conversapiaba.blogspot.com/2010/09/o-adeus-antonio-arrais.html