* Com o mór respeito aos do em torno, includo nós, dos 600 mil mortos pela SemVid neste nosso “Brasil, Brasil brasileiro, mulato inzoneiro” coisa nenhuma, nem numa e nem noutra, tá? São cruzes na Estrada da Ida.

Acordo ao badalar dos raios do sol rubro no cerrado brasileiro, capital de todos os nós, às seis em ponto, dia com previsão de até 35 graus centígrados e humidade decaindo para os desérticos 15%. Saravá, meu Rei, começo hoje minha sétima jornada nesta Ida Pandemônica, terceira dose, dita de reforço da vacina covidorosa que promete duração perene duvidosa.
Na rotina desses últimos 47 anos, antes do preparo do café matutino para a Madame ainda à cama, nos privados atos de cada despertar, sem tempo para o imediato translado para o papel, não o higiênico, por suposto, eis que brota na minha mente ainda presente o seguinte pensamento poético em função da bela saudação solar deste último andaresco ter.
“ O senão da Palavra
Se é à vista
Antes eu preciso ver
A vista.
Se não,
É a prazo.
Portanto eu prezo
O verbo preso.
No visto,
Invisto,
Insisto,
Existo,
Não desisto.
Por tanto, nunca por menos,
Revisto a minha melhor pele.
Assumo
E sumo.
Até outra vista. ”

Pós a limpeza corpórea, barba feita na roupa alinhada, esta data me marca, repito, pois delineia o início da minha sétima e última jornada de vida devida à terceira dose da vacina no posto público de saúde a 498 passos de caminhar desde a moradia neste dito Plano Piloto, portanto autêntica Brasília, desconectada da nacionalística Praça dos Podres Poderes, vista daqui à distância, pós Esplanada dos Mistérios, repito, agora com licença já volto porque persigo a célere Madame até o SES-DF-UBS 01-ASA SUL.
Unidade Básica de Saúde. Aberto das 8 às 17 horas. É o nosso mais próximo lugarejo para a vacina, aliás, assim acontece nas outras duas, a primeira em 18 de março, a segunda no 6 de abril e, agora, 6 de outubro, a terceira, quando será a próxima? Neste nosso novo dia, a aglomeração convocada pelos podres poderes públicos é formada por velhos acima dos 70 anos e profissionais da saúde, pública ou da privada. Mais os aborrescentes que, veremos daqui a um cadinho, mostram-se atenciosos para com os nós envelhecidos.
Pois então. Chegamos às 07h45m, antes da abertura dos trabalhos, o sol já se exibindo tanto que o pessoal do posto tratou logo de organizar uma fila tripla, no sentido vai e vem, pelo usufruto da sombra das árvores entre elas um pé carregado de exibidas jacas, moles ou duras, não sabemos mas elas são lindas e, com todo respeito, comestíveis.

Gente, agora sou só eu no falando porque a Madame, como sempre, ela já está enturmada, mas está tudo no parecendo muito do tranquilo, quer dizer, eis que agora aparece a enfermeira baixinha, bem neguinha, pretinha e, magrinha que só, mesmo assim, tentando gritar o a seguir no entreouvido:
– Atenção, gente. Hoje a vacina é para os “velhos” com mais de 70 ânus que tenham tomado a segunda vez na vida há seis meses. Ah, mais o pessoal mórbido que agendou antes e os colegas que trabalham na saúde, que nem eu. Estamos entendidos?
Neste instante começa a revolta dos “velhos”, alguns por sinal bem dos serelepes mas, no meio, fato é fato, tem uma meia dúzia na situação requerente de acompanhante, por sinal não presente, difícil nesta terça idade, não é meu mesmo, vó? Vamos à revolta dos velhos e das velhas cidadãs tupiniquins, neste caso, da classe média pseudo quase alta:
– Cadê a fila da terceira idade?
– Aqui não tem fila de “velho” não – canta a “neguinha magrinha pretinha atraente”.
– COMO É QUE É ?????????
Primeiro, transcrevo parte dos sermões aplicados por “velhas e velhos” acima dos setenta e no começo da sétima e última jornada nesta longa estrada da vida. A enfermeira magrinha, mulher, pretinha, leva o básico puxão de orelha tipo “velha é a tua mãe”, é fake, gente, isso deveras não acontece porque se trata de gente educada. Uma senhora, includo, a mais ativa, é mãe de um médico em hospital de renome no atendimento de políticos. Justo ela exige que a nossa enfermeira “neguinha”, repita que o certo é “terceira idade” no lugar de pessoa velha e “terceira vacina” no lugar de reforço. Vamos ao ouvido na geral ao som do fone:
– Mãe? Onde você está, bichinha?
– Estou aqui na fila da vacina.
– Tudo bem?
– Não! Tem uma enfermeira aqui me chamando de velha.
– Passe o telefone para ela.
– . . .
– Você chamou minha mãe de velha?
– Chamei.
– Por que?
– Ela me chamou de pretinha e negrinha.
– Me passe o telefone para minha mãe.
– . . .
– Mãe?
– Pô filho, não tem paciente para atender não?
– Mãe. Você não pode chamar uma mulher de negrinha e pretinha.
– Quer que eu chame de que? De polaca?
– Mãe! Pede desculpa.
– Para quem?
– Para a pretinha.
– Meu filho!!!
– Me passe o telefone para ela.
. . .
– Aqui é o doutor fulano de tal, trabalho no hospital que atende presidente e tal. Exijo que você peça desculpa por ter chamado minha mãe de VELHA.
– SÓ SE ELA PARAR DE ME CHAMAR DE PRETINHA!!!
– E por acaso você é polaca?
Resultado. Uma risada só na fila do posto de vacina de reforço para a terceira idade, estava tudo no viva voz porque, afinal, a mãe é uma velha senhora com alguns problemas de audição, alguns de propósito, diga-se de passagem, mas, afinal, a primeira vacina ianque para os adolescentes e mais uma para a turma legal da Saúde é o que interessa. Tudo numa boa até que a chefet@ do posto, doidinh@ para dar início a mais um dia de trabalho anti-pan-demônico que se espalha tem 438 dias, bem, ela se achega ao nosso pseudo tumulto e …
– O que está acontecendo?
– Estamos organizando a fila do pessoal da “melhor idade”.
– Quem mandou?
– Esta jovem enfermeira “amorenada”, aliás, muito da educada, não é, minha neta?
Nesta altura, o ambiente que parece tenso vira lento porque além dos “velhos e velhas” em volta da “negrinha” acontece o inesperado apoio uníssono dos “aborrescentes”, muitos catando cadeiras na grama, nem todas em perfeito estado, e as colocando numa fila em separado:
– Cuidado que esta está um pouco desajuntada, minha tia. A senhora, minha vó, fica nesta cadeira aqui que está um pouco melhor.
E daí – volto a falar no plural – perguntamos, com toda razão, qual a reação da chefinha das, contamos nos dedos das mãos e dos pés, 18 enfermeiras no pequeno posto na área central da capital do Brasil. Seguinte. A chef@, safad@, no sentido de safa, saca, mora, ela põe a mão no ombro direito da enfermeira “magrinha” e dita, sorriso entre os dentes descovados:
– Valdirene! Você está encarregada deste pessoal exigente de seus direitos, tá? E vamos fazer o seguinte. Para cada um “normal” na fila da vacina entram dois …
– Se chamar a gente de “velho ou velha”, já sabe!!!
A chefinha, safa, provoca nosso sorriso uníssono, e responde, falsamente séria:
– Pois não estou vendo aqui nenhuma pessoa velha.
– VELHA É A TUA MÃE !!!

Antes da fila dos velhos, perdão, da terceira idade, começar a andar – volto a falar no singular – deleto a dupla citação da palavra “uníssono” por obrigação de ofício jornalístico há 50 anos. Acontece que no quarto lugar da fila dos “normais” estava um senhor idoso, pomposo, sentado entre mulheres em pé, mesmo que mais novas e, ao ser sugerido, gentilmente, que passasse para a fila dos “especiais”, retruca como quem prescrevendo cloroquina, tem toda a cara de:
– Pois eu continuo nesta fila onde estou sentado desde as sete horas da manhã e daqui não saio, daqui ninguém me tira, até porque eu sou médico, ouviram?
Vale o registro da reação – volto ao plural – que todos nós, especiais e/ou normais, retrucamos, agora sim no uníssono, risos soltos, inclusive da enfermeira moreninha, agora tornada nossa amiga e até chamada “gentilmente” de “negrinha velhinha”:
– Deixa este doutor para lá. Ele só pode ser médico do Prevente Senior.
E a fila, melhor, a vida continua no posto de vacinação da Covid19/20/21…
– Primeiro a jovem aqui.
– Não senhora! Antes, as duas avós ali da outra fila.
– Ai que saco!
– A senhora tem um ou dois ou quantos sacos?

Começa então outro dia de vacinação que tão cedo não acaba. Adentram as duas senhoras, aliás, colocadas na frente porque com forte dificuldade de andar sem amparo é que não falta, decisão, aliás, tomada de forma coletiva e uníssona, quer dizer, com protestos apresentados pelo doutor do Prevente Senior, naturalmente desmoralizado.
– Acabou, polaco? O que está fazendo de pé aí no décimo-quinto lugar da fila especial?
– Quem está falando?
– Não é da tua conta. Responda, velho.
– É que eu fiz questão de passar na minha frente todas estas amaciadas jovens dantanho.
– E Madame?
– Já está triplamente vacinada e agora se encontra fumando o cigarrinho de olho na jaca mole tomara que caia.
– Então conta, daqui a pouco, como foi a agulhada neste teu braço caipirosco.
– Sou mais o bracinho firme de Madame.
– Mostra! Mostra! Mostra!
Pronto. Chega a minha vez. Atrás de mim, o chato doutor do Prevente Senior, quase encostado:
– Chega para lá, cara chato.
– Sou doutor.
– Desculpa. Desencosta, doutor cara chato!
– Esqueça este chato e continue, polaco:
– Qual a sua idade, “jovem velho idoso”?
– 73 anos + 9 meses + 20 dias + 18 horas + 15 minutos + 33 segundos!
– Qual o seu CPF, senhor?
– Está aí, minha jovem.
– Esqueceu, tio?
– É muito número.
– Está aqui a sua identidade. Leia para mim que eu coloco no sistema.
– Ih, moreninha. Eu esqueci os óculos de perto em casa que não fica longe.
– Se não lembrar agora mesmo vai para a fila dos mornais. Escutou?
– Oxe, menina. Acabei de me lembrar.
Neste momento, acredite se puder, praga do doutor do Prevente Senior, já devidamente picado, como é que pode, acontece o seguinte. O sistema da Internet DESABA, fica fora do ar nos cinco computadores, todos ligados num mísero aparelho G-2. Por sinal, no posto, este é o primeiro dia em que fica abolido quase de vez a anotação no papel para ser incluído depois no tal sistema. Tudo parado. A fila toda. Jovens e os da pseudo melhor idade. Repasso ao fato para o velho na fila anterior que conta para velha que cochicha para outro e assim o sussurro de repente se transforma numa brincalhosa revolta:
– Moça, tem um orelhão ali na entrada do posto. Por que não vamos até lá, gente?
Depois de uns vinte minutos de risadas, muxoxos, dentaduras deslocadas, enfim o sistema entra no ar e tudo recomeça no quartel de Abrantes:
– Qual o seu CPF, senhor?
– Já falei, moreninha.
– Acontece que caiu, tio.
– ENTÃO LEVANTA, MINHA FILHA!!!

Uns oito minutos e nove segundos depois, educamente, sou convidado a sentar numa das três cadeiras de plástico para o terceiro pico na minha vida. Acho que foram mais, mas tudo bem. Sinto-as um tanto trôpegas. O que? A cadeira, eu, a picante, sei lá, tudo, sabe?
– Pode sentar!
– Prefiro ficar em pé.
– É que sentado fica mais mole, meu senhor – responde quem, logo a chefeta, olha ela aí de novo, vigiando a jovenzinha com a agulhinha cheia da vacina ianque e, observo, quase que tremendo. Sinto a chefeta, levemente preocupada mas um tanto pré-irônica nos lábios entreabertos para me mostrar os dentes encravados na gengiva amarelada. Afinal, estes “velhos e velhas” hoje estão de lascar, acho que ela está pensando isto, com certeza. Mas continue, minha senhora, e ordenhe esta jovenzinha enfermeira:
– Vai com cuidado, minha filha. Antes veja se este polaco está bem mole. Coloque a agulha mais inclinada. Assim não. Incline mais um pouco. Agora …
– ENFIA LOGO!!! TUDO!!!
Pois foi uma das picadas mais suaves que eu tive na minha vida, confesso, tanto que primeiro eu olho para a chefeta em pé, ao lado de quatro assessoras, e pergunto, bem suave:
– Ela é estagiária, não é?
– É sim, polaco. Isto é para você aprender a não tumultuar a massa, seu braço mole.
Dei um tempo para o quíntuplo terminar de rir de mim para somente então virar para a quase enfermeira estagiária e fechar com este sublime fecho de ouro, na lembrança as tantas estagiárias de jornalismo com quem convivi e, amigavelmente chamava sempre de “minha tia”, embora tem umas que hoje já sejam “avós”. Ou quase. Outras, ainda nem arrumaram. O que? Ora, o rumo, meu, quer dizer, minha.
– Polaco!
– Que foi?
– Acabe logo este papo está qualquer coisa está para lá de Maraquesh. Afinal, o que foi que você falou, neste teu fecho de ouro, para a enfermeirinha estagiária que picou este teu braço mole?
– BOM FUTURO, TITIA !
– E ela?
– C H O R O U !!!
– E você?
– TÃO BEM.
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– Com licença. Inté e Axé.
– Ô polaco mole!
– Fui

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