Hoje. 11 de Janeiro, é um dia dia muto especial neste meu caminho do Fim. This is the End. Hoje, começo meu pós 74 anos de ida. Logo eu que, dantanho, contento-me com a esperança dos 50 anos. No más, macho man. Estou com um quarto de século de lambuja. Acontece que meu tempo vai passando, passando, passando e, passo ao seguinte:

Hoje, acordo e, portanto, estou vivo. Sirvo o café à cama, normalmente, à Ma Dame, com quem convivo há 42 anos. Depois, faço o meu, hoje no especial com ovos mexidos e duas cerejas ao lado, o que me levanta. Depois de outro cafezinho para Madame, ainda à cama, no silêncio eu sigo a minha vida e, apesar do diferente, ela nem nota que eu primeiro tomo um banho completo. Faço a barba. Escanho-me. Limpo os pelos salientes das narinas e das orelhas sempre atentas a tudo. Troco de roupa. Uma camiseta mais clara do que a de costume. Ninguém, ou seja, Alguém, nem nota. Perfurmo-me, includo nas íntimas partes que ora são apenas boas lembranças dantanho.

Tem mais. Afinal, hoje é mais um dia especial, pelo menos para mim, afinal, prossigo a partir destes 74 anos de Mi Vida. Daí, eu coloco na “vitrola” minhas músicas preferidas. Pela ordem, aliás, Madame nem nota o porquê deste estranho enredo na manhã desta terça-feira, dia 11 de janeiro, meu aniversário de 74 anos de Ida. Pela ordem, uns mais, outros com menos volume nas caixas de som, começando pelo primaz Leornard Cohen:

– Tennessee Waltz (4:05)

– The Traitor.

– Ballad of Absent Mare.

– I’m Your Man (4:25)

Na sequência, bem down, sei, afinal, nobody diz parabéns para este velho polaco nestes 74 anos de Ida, coloco Chris Rea, bem alto, desde este sexto andar lá no embaixo tem gente que diminui os passos da andança para ouvir:

– The road to hell (partes 1 & 2).

No complemento, agora no interno, me to me, ninguém me deseja happy nada, até porque desligo interphone, wifi, gps e o escambau, afinal, estou triste neste início da caminhada, sinto meus joelhos e minhas costas e meu respirar, apenas os sinto porque ainda penso, enfim, coloco, para impropério pessoal, nem Madame nota, o último CD do budista Leonard Cohen: You Want it Darker. Penso. Hoje, no fundo, quero mais isso sim.

Enquanto istoa música toca e a TV se cala, a Internet me atinge em cheio, enfim, porque hoje é sábado, não, sei lá, porque hoje refaço meus 74 anos de Vida, recomeço minha ida, em particular, com a Vodka polaca, 700 ml, bem da refrigerada, tudo adrede no preparo porque só não repito a tentativa de suicídio, conforme o jurado por três vezes, mais o pepino em rodelas finas na conserva, com o biscoito chita em rodelas amorenadas na chapa quente.

Na dispensa, deixo meu tão bem não notado ainda, cá no particular, pratinho hoje especial para a sobremesa: fatias finas do já adrede comprado: figo, pêssego, caqui, lichia e cereja. Por cima, uma leve camada de açúcar mascavo. E algumas gotas da vodka importada from Polack.

Quer +?

Dez da manhã, cheiroso, desbarbado, roupa nova, pseudo sensualístico fantasma, isolado de tudo e de todos até da lembrança deste meu aniversário de 74 anos, não quero, mas, enfim, sou moderno, deixo desligado o celular-iphone-orelhão-sei lá como se diz- gps e tal, mas não resisto. Abro correndo, escondido até da minha vontade, o Wifi 5g com Bluetooth para uma rapidinha (hein? Qué isso? Ih. Esqueço).

Ah. Antes desta Internada na Internet vou para a TV via Sat, aquela com os pratos na cabeça do prédio, tá sabendo, minha Netinha que, ainda bem, não tenho, ai, saco, vô, fala logo o que, sei lá vô, você, o senhor, tá, o que o senhor, e aí?, o senhor é que está com a palavra, continue, cara:

Pois então, minha cara pessoinha. Ligo a TV. Não tem cabo. Mas tem SAT. Bem melhor. Ainda é Smart. Saca? Solta a franga, vô. Quer+. E aí?

Então paro, depois de uma sapeada geral, na procura de algo que me levante deste baixo astral por causa do esquecido por todos neste meu aniversário de 74 anos de Ida, repito, pois paro no canal passando o filme em cima da obra “Se questo é un Uomo” – Isto é que é um Homem, do famoso Primo Levi, judeu químico escritor liberto do campo de extermínio:

– Meu primo, vô?

– É.

– Não lembro dele.

– É que tu tá velha, minha Netinha. Ou então, burra.

– Ih, vô. Este filme fala de que? Tem a ver com teu aniversário, Véi? Falando nisso, quando o vô faz aniversário? Vai ter festa? Posso levar meu novo cara, cara, desculpe, caro avô? Espero que teu aniversário seja logo porque não sei se até lá vou estar grudado nele, sabe como é, né, vô, acho que sou que nem tu.

– Mas que saco, minha Netinha.

– Controle-se, Vô. Olha a fimose!

– Tá aí, netinha?

– Tô.

– Sozinha?

– Não.

– Então, o certo é você falar…

– O que, vô?

– Tamu.

– Então a vó Cleide tá aí do teu lado né? Oi vó.

– Oi, Netinha.

– Posso falar uma coisa, vó Cleide?

– Lógico.

– Por que a senhora não lembra que hoje é aniversário, 74 anos de ida, do vô Mamcasz. Tá gagá, é?

– Netinha!

– Quié, vô.

– Tua vó tá dormindo. Ainda bem. Agora, escute com atenção. Você e o cara aí em cima de você.

– O que???

– Primo Levi. Estou vendo o filme em cima do livro dele, escrito depois que ele sai do campo de concentração, escapa por pouco de morrer na câmara de gás e ser jogado no forno para virar cinza.

– Ih. vô. Hoje o senhor está estranho.

– Sim. E agora, vocês dois, parem um pouco desta bolinação e escutem comigo, bota o celular no ouvido que coloco o meu no som da TV:

“Hoje, pela primeira vez depois de cinco meses nesta concentração, aqui em Auschwitz, somos enquadrados do lado de fora, sete horas da manhã. Manhã de sol. A gente olha um para outro como se nunca nos tivéssemos convivido no escuro de tudo. Ainda que seja um sol branco, polaco e contido.”

– Tchau, vô. Tô desligando.

– Alguma vez você esteve ligada em alguma coisa?

– Quer que a gente passe aí, vô.

– Não. Deixa eu seguir sozinho nesta só minha ida.

– Por causa de que?

– Porque agora, Netinha, você está sendo beijada pelo teu Zé Colméia.

– Gostoso.

– Tá.

– Vô Mamcasz!

– Quié?

– Feliz Aniversário.

Silêncio molhado cá dentro deste velho de 74 anos muito mais do que a chuva lá fora, barulhenta mas cheirosa que nem, que nem, que nem quem? Ah. Acaba o filme. Deixa eu voltar para a minha íntima amiga Internet para ver o que “rola neste pedaço de merda desta nossa América Latrina”:

“Falam que eu estou doida mas eu sei

que tem algo errado

Clico na Internet, ligado na caixinha do Blutúfe (?), presente da minha Netinha, é que meus ouvidos não andam bem, que nem meus dentes, não os precisos, despedidos faz tempo, mas os ainda angulare

Ah. Taguatinga não é Tabatinga, lá na Amazônia, do Brasil e da Colômbia, bem juntinhas, conheço. A de hoje fica aqui perto, no Distrito Federal, nada a ver com Brasília, a capital deste nosso Brasil.

Pois então. Aqui, na capital do maior país da América Latrina, um prédio de cinco andares, irregular, acaba de afundar. Sim, ainda não sou vô maluco. Sempre sou só mas até agora nunca vô. Prá onde? Sei lá.

– Vô!

– Quié, Netinha?

– Fala cair. Prédio não afunda.

– Netinha!

– Quié, vô.

– Pois este prédio, sito no Lote 20 – QSE 20 – Taguatinga – Distrito Federal – Brasil – América Latrina – Planeta Terra …

– Continue, Vozão.

– Pois ele afunda, sim, Netinha. Não desaba. Apenas afunda. O primo, falo do andar térreo, afunda porque os outros quatro andares acima caem em cima dele. Includo o quinto, irregular, que nem os outros. Tudo acertado para, então sim, qualquer dia desses cair de vez.

São vinte e quatro apartamentos de moradores calados, coniventes, agora deslocados, só com a roupa do corpo e, pior ainda, sem aceitar que ainda estão vivos graças à insistência da dita Velha Maluca. Triste América Latrina. E isto justo aqui ao meu lado. Não hablo de Buenos Aires, hermano, até porque ela está pior ainda do que nosotros.

Licença que tenho mais que escutar a TV, não é ver porque estou com a vista fraca mas não se engane porque minha mente está melhor do que a tua:

Neide Lira, 50 anos, diz que sente um “aperto no coração, como um aviso na forma de grito” e que por isso decide buscar ajuda.

O estabelecimento em que Neide trabalha com o marido fica no primeiro pavimento do edifício agora completamente inutilizado.

“O prédio apresenta defeito faz tempo. Acionamos o proprietário, que chega a dizer que se trata de massa podre”.

A então “Velha Maluca” diz que chega às 7h40 decidida a ligar para o Corpo de Bombeiros mas os moradores falam que “ eu estou doida, mas eu sei que tem algo errado porque estou sentindo uma forte agonia e pavor e falo para as pessoas que não quero morrer com meu neto neste lugar”.

Preste então atenção ao que estou lendo agora na Internet neste meu esquecido aniversário de 74 anos de Ida, aqui na capital desta América Latrina, Brasília, Brasil. Neide, a Velha Maluca, conta que começa a buscar ajuda antes das 8h.

“Primeiro, ligo para a Polícia Militar, que me manda falar com o Corpo de Bombeiros, que me orienta a procurar a Defesa Civil. Tudo demorado além da conta.”

Isto é só o começo, justo aqui na capital do Brasil o maior país da América Latrina. Depois de conversar com a Defesa Civil, Neide diz que é orientada a mandar um e-mail, com fotos e vídeos. Ela afirma que faz o procedimento, mas que, mesmo assim, não consegue ajuda, tanto que precisa, em meio às gargalhadas dos irregulares moradores, voltar insistir com os bombeiros, já que é um pedido de urgência, feito às 7h30m, agora são 10h30.

“Depois disso, ligo desesperada de novo para o Corpo de Bombeiros – conta-me a “Velha Maluca”, agoniada – e imploro para eles não deixarem as pessoas morrerem daqui a pouco. Então, finalmente, eles decidem vir, isso já quase 11h. Vinte minutos depois, o prédio afunda. Os moradores que me chaman de “Velha Maluca” até meia hora passada, escapam com vida. Graças a Deus. Mas a merda é que reclamam, agora, que estão sem Nada”

– Parabéns, dona Neide.

– Obrigada, seu Mamcasz. Ah.

– Quié?

– Feliz 74 anos de Ida.

– Obrigado, “Velha Maluca”!

– Ah. O que é mesmo que este teu primo fala desta gente que parece que não sei mas sei muito bem?

“Vocês que vivem seguros/ Em vossas casas aquecidas/ Vocês que encontram na volta de noite/ Comida quente e rostos amigos / Pois comecem a pensar na pessoa de verdade/ Que trabalha na lama/ Que não conhece a paz/ Que luta por um pedaço de pão/ Que morre por um sim ou até por um não. Pensem nisto.”

https://www.metropoles.com/distrito-federal/doacoes-ajudam-moradores-desabrigados-apos-desabamento-de-predio-no-df

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/01/10/falaram-que-eu-estava-doida-mas-sabia-que-tinha-algo-errado-diz-mulher-que-chamou-bombeiros-antes-de-predio-desabar-no-df.ghtml