Sobre o meu encontro hoje com o Tom Waits no metrô de Brasília

Sabadão aqui na Ilha, Brasília, sol a pino, oito da matina, coloco um galho de arruda na cueca e vou à luta.
Na meta traçada a ida primária, de metrô, ao Na Hora, tirar a primeira carteira de velho.
Explico-me. Na Hora, serviço público que atendia, tempos idos, de acordo com o termo: Na Hora.
Carteira de Velho. 65 anos (estou com 66). Primeira, porque, em sendo assim, não paga taxa.
É que nem o primeiro sutiã. Aprendi isso com a avó da mina da Firma:
– Para arranjar um amor na vida, coloque um galho de arruda no sutiã.
Continuando:
Primeiro Ato.
A pé vou aqui de casa, Madame já servida à cama, até a estação do metrô da 12 Sul, linha direção Central. No guichê:
– Bom Dia.
Nada de volta. Boto uma nota de cinco. A funcionária pública ranzinza, enjoada, menstruada, menopausática, devolve-me o ticket (vale por dois dias) e o troco de três reais (uma nota de dois e duas moedas).
Segundo Ato.
Vou do guichê ao primeiro de uma série de obstáculos na forma de roleta. Ai que saudades de Berlim, onde não existe roleta nem cobrador, só o motorista dizendo:
– Bom Dia!
Terceiro Ato.
Metrô limpo, bonito, cheiroso (sábado sem o cheiro do povo) mas demorado (a cada 20 minutos) até porque fica três minutos parado em cada estação, a ver navios, diria eu na Praça Mauá, no Rio, duas da madrugada.
Quarto Ato.
Chego à Central (Rodoviária do Plano Piloto), passo pelo povo cheirante que dorme à sombra da pilastra depois de mais uma noitada regada a crack barato e incestuoso, noto nas barrigas inchadas das meninas envelhecidas rapidinho por demais nesta vida.
Quinto Ato.
Entro no Na Hora (nos tempos idos, mais limpo e muito mais educado). Na primeira das filas, para pegar a senha, passo pela guardinha do SERVI.
– Bom Dia!
E ela:
– Aquele guichê ali!
Vou. Penso em Vida de Gado com o Tom Zé.
– Bom Dia!
– Ainda é divorciado? Trouxe a certidão? Trouxe a velha? (a carteira de identidade antiga, soube na hora de quase partir pra porrada porque Madame ainda é uma jovem). Espere ser chamado naquele canto ali, naquela Tv ali, para ser atendido na Sala C.
– Sala Seis? – resolvo perturbar a empáfia do funcionário bem remunerado de Brasília.
– Sala C.
– Seis?
– SEIS!!! não me confunda. SALA C !!!
Sexto Ato.
Não é cesto não, seu analfabeto. Na Hora! Espero quinze minutos, isto porque está relativamente vazio e tenho a senha C751 – Preferencial.
– Plim!Plim! Aparece a senha e a sala: Seis? Não, cara, é C. Ah. Guichê 72.
Vou, né, que nem gado preferencial. Entro.
– Pode sentar. Cuidado para não cair porque a cadeira está um pouco quebrada.
– Bom Dia!
– Trouxe a certidão de divórcio e a velha?
– Não. Eu vim sozinho. E se não responder meu Bom Dia, te mando à MERDA!!!
– O que é isso meu senhor. Isto é falta de respeito à autoridade. Pode ser preso. Leia o cartaz ali. Não admito, blá-blá-blá.
– Vai te foder, funcionariozinho de merda!!!(penso comigo, bem baixinho).
Sétimo ato.
Vinte minutos depois de endereço, cpf, que nome é este, e o de tua mãe, termina com ypsolon por que? Nasceu em Ponta Grossa, é? Fotografia. Levante o peito. Feche a boca. Ponha os dez dedos aqui. Por que? Digitais, meu. Ih, teu nome está errado aqui no arquivo. Está Mancasz. E a velha (identidade) aqui está me dizendo Mamcasz. Que nome estranho é este? Polaco… Ah… Pronto, acabou.
– Pego a nova aqui mesmo?
– Ainda não. Continue com a velha!
– Mandam pelo correio, que nem nos tempos antigos, quando Na Hora era Na Hora?
– Tem que vir buscar aqui.
– Senha, espera de novo e tudo, sem Bom Dia no teu não vai nada não?
– É, polaco. Tudo muda. Para pior. Te pira daqui.
– Bom Dia!
– PRÓXIMO!!!

Oitavo ato.
Refaço o caminho. Nem dá gosto de partir para um caldo de cana com pastel na Rodoviária do Plano, como fazia em dantanho tempo com a namorada da hora, alta madrugada de Brasília. De volta ao guichê para novo ticket:
– Bom Dia!
– Quantos?
– Um Bom Dia só está bom para mim.
– PRÓXIMO!!!
Espero vinte minutos pelo próximo metrô. Chega o da Samambaia. Ainda bem. Porque a linha Ceilândia passa no Condomínio Sol Nascente, a maior FAVELA do Brasil. Pelo IBGE, acaba de ganhar esta posição ao ultrapassar a grande ROCINHA, do Rio. Agora, vamos ao motivo da foto:
Entro. Sento-me. No vagão reservado aos homens de verdade. Aguardo uns minutos. O alto fala:
– Olá, senhor usuário (?). Bom Dia!!!
– BOM DIA É O CARALHO. SÓ AGORA ME RESPONDE? AINDA POR CIMA PELO ALTO-FALANTE? VAI TE FODER. PEGA ESTE BOM DIA E ENFIA NO…
A reação dos que estavam por perto foi a de no imediato se levantarem à procura de novas cadeiras no vagão ao lado. Até entendo a reação. Eles não sabem a causa. Eles são rebanho. Eles são o povo. Zé Ninguém.
Melhor ainda. Pelo seguinte. Quando a porta do vagão já ia fechando para a viagem de volta, acontece o seguinte: entra um velho, esbaforido, tipo meio louco e mais um pouco. Penso. Vai sobrar para mim. Não dá outra. Senta ao meu lado:
– Good Morning, my dear Polack. How do you in this beatiful sábado de manhã here nesta Ilha de merda?
– Bom dia!!!
E logo após esta automática resposta, olho para o elemento e eis de quem se trata:
– My dear Tom Waits! What are you doing por aqui, porra, meu. Vem cá. Me dá um beijo na boca.
– Sai para lá, polaco. Kiss outro ess, meu.
Melhor ainda. Tom Waits, em resposta, simplesmente começa a cantar no meu ouvido. Assim, ó:
– Sane, sane, they are all insane. The fireman´s blind. The conductor´s lame.
– Claps hands, polaco. Claps hands.
– Son of bitch!
– O que?
– OK?
– Tá indo para onde, meu caro Tom Waits?
– Going to Ceilândia ( Land of CEI – Centro de Erradicação de Invasões) with a pistol on my jeans.
– De jeito nenhum. Tom Waits. Primeiro vamos descer aqui na 12 Sul. Tomar umas caipirinhas em casa. Tirar Madame da cama. Ela te ama. Escutar todo o teu RAIN DOGS, ao vivo, de tua boca do Harlem direto para este meu ouvido polaco bahiano. I don’t stay here, meu. I wana to go back to Bahia.
– Let´s go, polaco.
– Porra, quem diria, cara. Canta outra vez aqui no meu ouvido:
https://www.youtube.com/watch?v=SWJvohfCCdk
Observo ao final:
Este conto pouco louco ou louco pouco conto ou pouco louco conto, vai para meu grande amigo Flavinho (Flavio Mattos), que (quem) tem a coleção mais completa de Tom Waits do que a minha, com autógrafos e tudo, e também porque estou devendo a entrega a ele de mais um cardápio internacional, este encontrado ao passar numa faixa de pedrestre, na chique Rue de Montaigne, em Paris, neste Natal, e o cartaz lá no asfalto, o tempo suficiente para me abaixar, pegá-lo, que os carros estavam prontos para avançarem para cima dele que, aliviadíssimo da vida me suplica:
– Me leve para o Flavinho!!! (S.V.P.)
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