– Por que hoje é sábado, Vinicius de Moraes, hein?
Madame dorme pós o lapin a la mode de Montmartre.
Culpa do italiano Chianti.
– Pode me chamar de Gentilesco, bela!
Detesto estes carcamanos! Tão convincentes… e por conta deste episódio revelo o seguinte incidente que nunca será domesticado:
– Vocês acabam de me entristecer neste sábado.
Esquivo-me então do lar nesta tarde sombreada, aqui é Brasilha.
O elevador stop no 6. Entro. Nova parada. No 3. Neta e avô.
– Boa tarde. Lindo dia. Estou indo para a catequese no Cor Jesu.
Terminal.
Descemos juntos. E a prima mulher desta tarde sombreada me desperta:
– Qual seu nome?
– Mamcasz.
– Mamcasz. Meu nome é Madalena. Este aqui é meu avô Joaquim. Me escute!
E saimos conversando naturalmente, por que hoje é sábado, Vinicius, hein? No intermezzo das quadras 200 para as 400, isto é Brasília, só não digo a Asa, o avô, meio que incomodado com a naturalidade do mútuo conversar, iniciada no elevador, pega na mão da neta:
– Nossa, que mão fria!
E ela, no ato, pega na minha e:
– Mamcasz, você me acha fria?
Diante do tremelique contido do avô, eu jogo o lero de que fui seminarista (ah, é?), militar (que posto?), perguntadeira tua neta, vai ser que nem eu, jornalista (nem pensar!!!) e continuamos os três, de mãos dadas, quem sou eu para tornar desfeito o sonho ora feito de uma menina de mãos dadas com dois homens belos (é…), bom incentivo na vida longa (dela…).
– Então tchau, Mamcasz. Eu vou para minha catequese.
E fico eu, ela sabia, tínhamos trocado as falas, na mercearia de nível, espanhola, produtos finos, apropriados para esta tarde sombreada, por que hoje é sábado, Vinicius, hein, por que?
– Ah … pergunto eu, olho de olho na neta do avô militar, meu vizinho.
– Qual tua idade?
– Cinco anos, por que? mas me diga uma coisa, Mamcasz, quem é este Vinicius?
– É meu amigo, o Moraes de Ipanema, estou escutando a poesia dele aqui, fique com ele :
– Coisa antiga este walkman, mas por você, e pelo teu amigo Vinicius, eu aceito. Tchau.
http://www.youtube.com/watch?gl=BR&v=jpfymRLaPaA
Pois bem. Continuemos, eu e a tua pessoa leitora, embora não de mão dadas. Não te conheço…
E assim zonzo, pelos dois fatos que acabo de narrar, é vero, juro pelo Cor do Jesu da menina, entro na mercearia espanhola de produtos finos, tipo endivas e tal. Escolho a mexirica, daquele bem miúda. Porção de pistache. Duas endivas, por supuesto. Caqui chocolate. Couve-flor.
Dobro a esquina para a prateleira do presunto de Parma. À frente, outra mulher. Opa… Vislumbro-lhe o cabelo a la Janis Joplin. Sinto um leve torpor no cabelinho da minha nuca. Bom sinal. Sem olhar, retorno a meu destino. Acontece que a saída está bloqueada por mais uma mulher, algo desorientada, sinto-a não madura, que nem a outra, mas, juro, longe de mim ter fixado o meu id na retina dela. Na verdade, me desoriento, ainda não refeito da pretérita presente pequena menina elevatória do repente.
– Deixa eu ver – converso comigo mesmo, aparentando solidão. Pão árabe. Esta pequena boina, minúscula, exige o hamus. Cadê o hortelã?
– Ali, senhor.
– Alá!
Redobro na esquina da outra gôndola. Aprecio o cheiro árabe. Absorvo o momento. Sou pela retaguarda da mente, dita cabeça, envolvido por duas mãos que, juro pelo Coração de Jesus da menina do elevador, já as envolvi outrora para que não caísse, numa madrugada, entre os trilhos de Santa Teresa, no Rio, nos tempos em que Kurosawa nos levava a fazer Dodeskadém. Amém.
– Mamcasz!
– Oi – reconheço a voz do elevador.E retruco: Não foi para a catequese?
– Ainda vou. Queria te perguntar uma coisa. Se Jesus era filho de Maria, ele era neto de quem?
– Ana e Joaquim. Por que?
– Maria era a mãe de Jesus. Quem era o pai?
– José, por que?
– Então, quer dizer que Jesus nasceu da…
– Menina. Pergunte isto lá para o padre.
– É freira, Mamcasz, seu bobo.
– Melhor ainda. Mulher conhece estas coisas de fazer filho, nem que seja Jesus.
– Mamcasz.
– Quié?
– Quem é esta garota, parecendo as cantadas no sábado pelo teu amigo Vinicius, lá na praia de Ipanema, que está tampando os teus olhos com as mãos rodeadas de pintas tão bonitas?
– Ah. É uma amiga que eu tenho faz mais de 40 anos, desde os tempos do Rio de Janeiro, continua lindo.
– E por que você passou por ela sem falar nada? Vocês estão brigados?
– Nunca na vida!
– E esta outra moça do lado, nossa, Mamcasz, você está mais procurado do que o Vinicius, né?
– É … esta moça é a filha desta minha amiga desde o tempo em que ela nem pensava na filha.
– Você não pensava em mim, mãe?
– Minha neta, vamos embora.
– Não sou neta. Sou filha.
– Pois eu sou avô.
– E eu sou neta.
– Eu sou filha!!!
E eu:
– Por que hoje é sábado, hein, Vinicius?
Cada qual segue então seu destino na vida. Pamela Nunes, mulher de Elvis, com a filha, para Pirinópolis, Goyaz, Brazil.
A neta, não a filha, com o avô, para a catequese para saber como nasceu Jesus da barriga…
E eu, de volta aos sonhos de madame, pois ela inda dorme.
Adentro o dito sacrosanto lar. Ou seria sacrossanto? ou sacro-santo? Coloco na vitrola o Elvis Presley, só de músicas religiosas. Volume respeitoso. Tripla homenagem:
À neta – na ida à catequese, na Cor Jesu.
À filha – muito desenchavida na vida, por sinal.
À mãe – amiga unida nesta longa estrada da vida.
– Quem, Mamcasz?
– É qual, menina. Qual a música.
– Qual de nós você escolhe?
– Stand by me.
http://www.youtube.com/watch?v=jNjq54fgkhU
Moral do lero deste sábado sombreado cá na Ilha, Asa Sul, Brasília.
Madame acorda, livre dos braços do italiano Chianti.
– Que música é esta?
– Depois eu te conto.
– Foi adonde:
– Lugar nenhum. Fiquei aqui no Facebook.
– Você e este teu Face. Tem que sair. Falar com gente…
E lá foi ela, cafezinho e cigarrinho para o quarto da Sky.
Tempo!
– Florzinha. Corre aqui…
Pronto. Emergência. Acelero-me, na medida do possível.
Na TV, o especial “Where you’re strange”.
Cena 1:
I have a dream. Corta! M.L.King. Som do tiro.
Cena 2:
Nos vemos em Chicago. Corta! J.F. Kennedy. Som do tiro.
Enquanto isto, ao fundo, Jim Morrison canta:
This is the End. Father.I want kill you. Mother…
https://mamcasz.com/2011/07/17/this-is-the-end-my-beautiful-friend/
– Corta!!! Corta!!! Corta!!!
– Qué isso, Florzinha. Cê tá tão esquisito. Só por que hoje é sábado, hein?
Cena 3
Jim Morrison. Som do tiro.
Cena 4
Cemitério Père Lachaise. Paris. Túmulo dele. Já fui. Aliás, acabo de marcar minha próxima viagem.
Paris.
Era para ser Praga. República Checa. Começo a pesquisa pelo Google. Praga. Resposta:
– Praga de baiano!
Mudo para Paris. Respeito é bom e gozo. Olha só no que está dando.
De qualquer forma, o studio, Place de Ternes, me espera.
Au revoir. A bientot e coisa e tal. Axé!
Moral do Lero.
1 – Sempre tome cuidado ao ficar perto de uma mulher.
2 – Independente da idade: seja Madalena (5 anos), Maria (25 anos), Ana (45 anos), Madame (uma flor) ou até mesmo eu, Jesus (65 anos).
3 – Por que mesmo hoje é sábado, hei, seu Vinicius?
Mesmo assim, dedico esta música à minha amiga, que era a cara da Joplin, belo sábado, ainda que tenha me comportado meio esquisito. O que vai pensar a filha dela? Aliás, amiga, tua filha….
http://www.youtube.com/watch?v=WIt3bbqMbHE