Estou bem mais velho. Bem vestido, quase branco. No meio de gente parecendo conhecida num tipo Clube de Imprensa. No meio do mato. Saio para pegar o ônibus próximo de gente estranha. É noite. Muitos parados mas de um lado de estrada que me dá a sensação de nunca ter sido o meu. Não tenho certeza:

– Boa noite. Você sabe se por aqui passa o ônibus …

– Por aqui não passa nenhum ônibus.

– Então é o do lado de lá. Será que consigo chegar sem ser atropelado ou assaltado?

– Assaltado, não, atropelado, sim. Mas o senhor está indo para onde?

– …

– Onde?

– O que?

– Para onde o senhor está indo?

– …

– Para onde?

– Não sei!!!

Na sequência, só sei que estou descendo da boléia de um caminhão, onde estão as mesmas pessoas que, no meio do mato, escuro, na beira da rodovia, e que não esperavam um ônibus, que nem eu, mas o caminhão de transporte de gado humano, porque trabalhavam nos clubes dos brancos,

– Pronto, senhor.

– Por que vocês estão me abandonando aqui?

– Pelo contrário. O senhor está sendo deixado na porta de um clube bacana, viu? E vimos até que o senhor tem uma carteira de identidade, e, uma porção de dinheiro.

– Vocês estão precisando de algum?

– Precisando, sim, estamos, mas o senhor continue com ele porque também pode precisar.

– Dinheiro serve para que? Ele vai me fazer lembrar de quem eu sou?

– Olha lá na portaria. Tem um casal, vestido de branco, esperando pelo senhor. Pode ir.

– Obrigado.

– Não tem de que. Mas quem são vocês?

– Nós somos ninguém.

Na portaria do clube muito mais bacana do que o outro, eu me lembro porque acho que faz pouco tempo, foi antes de eu pegar o ônibus, um grande circular, que me trouxe até aqui, mas agora, alguém pode me dizer que clube é este, todo iluminado?

– Boa noite, senhor. Seja bem-vindo.

– Mas onde estou?

– O senhor é quem sabe.

– E esta anciã bonita ao seu lado?

– O senhor é quem sabe.

– Ela não tem nome não?

– O senhor é quem sabe.

– Vamos parar com esta conversa mole. Quero entrar. Está aqui a minha identidade.

– Muito bem. Deixa eu ver. Quer dizer, a senhora é quem deve ver para ter certeza.

Pausa porque a senhora, 1m60, fofinha mas parecendo durona, agora toda trêmula, nem imagino os motivos, bem, ela me diz tentando ser firme e decidida:

– Vamos entrar. Cuidado com o degrau. Olhe para a frente.

– A senhora de repente está me lembrando alguém…

– Quem?

– Ih. Acabo de esquecer. Mas eu, eu sei quem eu sou. Eu…

– Eu sei.

Neste momento, a linda senhorinha, ao lado do senhor vestido de branco, porteiro do clube bacana com certeza não parece ser, bom, ela começou a soluçar, mas de forma muito contida. Então eu, para consolar a criaturinha que eu nunca tinha visto na vida mas estava na minha vista, pois então, meu primeiro impulso foi declamar um poesia para ela, mas qual, esqueci todas. Por isso, só falei, o mais agradável possível:

– A senhora é uma florzinha!

Para que. Agora que, além de não lembrar quem sou eu, o que estou fazendo neste clube bacana, tanta gente vestida de branco, a senhorinha, depois de ter sido chamada, elegantemente, por mim, de florzinha, ela simplesmente desmaiou e ia caindo nos braços do, ouvi ela dizendo, doutor. De repente, nem imagino mais nada, apesar da minha idade avançada, nem me lembro se um dia já fui, como se diz, jovem, daí eu cheguei antes do doutor, a tempo de receber a lindinha senhorinha nos meus braços e dizer isso, estou lembrando porque está acontecendo agora:

– Pode deixar que eu cuido de você, minha florzinha!

No mesmo instante, vejo dois jovens, vestidos de branco – que clube bacana mais esquisito – e o doutor me dizendo “vamos entrando, meu senhor, precisamos conversar”. Só tive tempo de dizer, à chegada dos dois jovens com a maca, a ponto de nela colocar a desmaiada senhorinha, murmurar eu o seguinte, bem suave e perto do ouvido da cabritinha:

– Pode deixar que eu levo a florzinha no meu colo!!!

Já dentro do salão do clube bacana, rodeado de gente vestida de branco, coloco a senhorinha, com o maior cuidado, no lindo sofá, aproximo-me do ouvido dela e sussurro:

– Boa noite, florzinha. Agora, preciso ir.

Então o doutor se aproxima de mim e começa tipo dar ordens:

– O senhor pensa que vai para onde?

– Não tenho a menor idéia.

– Então fique mais um pouco aqui com a gente. Precisamos conversar.

– Chega de conversa só no presente sem passado e nem futuro. Boa noite para todos.

Daí fui me virando a caminho da porta para seguir para a portaria para cair de novo na vida mas de repente me lembro de uma coisa e pergunto:

– O senhor pode me dizer onde fica o ponto de ônibus mais perto?

– Pergunte para a senhorinha psicóloga que o senhor chamou de florzinha!

– Mas ela está dormindo…

– Pois acabou de acordar.

– Dona senhorinha florzinha mais simpática de toda Berlim!

– Que é!!!

– A senhora pode me mostrar onde fica o ponto de ônibus mais perto?

– Posso!

– Sabia…

A senhorinha levanta-se, penso que muito rápida para quem acabou de desmaiar, na sequência me pega pela mão, deixar eu falar logo antes que me eu esqueça, ih, esqueci, ah, ela me leva por um longo corredor:

– Mas eu cheguei pelo outro lado.

– Acontece que o teu ponto fica por aqui. Está começando a lembrar, é?

– Estou, sim.

– De que?

– Da poesia que eu queria declamar quando a senhora caiu nos meus braços.

– Então fale logo!!!

– Eu não sou louco. É pouco.

– Chega!!!

– Então, tá. Mas onde eu estou mesmo? Em Brasília?

– Não. Você está em Berlim.

– Sozinho?

– Não. Comigo.

– Mas quem é você?

– Eu sou a tua Florzinha. Agora chega. Vá dormir.

– Tá. Tschuss. E a conversa?

– Amanhã a gente tem muita coisa para conversar.

– Tá bom. Boa noite.

– Boa noite.

– A senhora pode me colocar no ponto de ônibus?

– NÃO!!!

Pronto. Estou dormindo de novo e sonhando que estou num clube, de noite, vestido todo de branco. Amanhã eu conto. Quer dizer, se eu acordar e me lembrar de quem sou eu.

– Boa noite!

– Boa noite, doutora. A senhora…

– BOA NOITE!!!

Pronto. Estou dormindo. De repente, acordo. Estranhamente, a doutora senhorinha continua a meu lado. E eu:

– A senhora pode me arrumar, “corendo tudo”, um lápis e um papel?

– Para que?

– Acabo de lembrar da poesia que fiz para você.

– NÃO!!!

– Então eu falo.

– Não escuto.

– Digo assim mesmo:

“Eu não sou louco … é pouco

Se tiro parte do todo

Deste meu coração

Desmiolado.

Eu não sou louco … é tanto

Se tento o tiro no centro

Deste meu coração

Descansado.”

Das ist mein Ende

Este é o meu Fim

This is the End


                  Eu tenho uma amiga que tem um filho pequeno  que vai na minha chácara e sobe no telhado, pela janela mezzanino,   e eu vou  lá e fecho a reentrada  e tranco a porta  e retiro a escada porque eu sempre  sou  assim com  criança e cachorro: adorado…

                 Está com pena?

                 Pois este filho da minha amiga me faz uma chantagem comigo enquanto  a mãe dele está  no banho pós-ato, de fato, talvez ele tenha…  até Deus nos  ouve:

                – Abra a porra desta janela –grita ele, baixinho, comigo – se não me jogo daqui de cima e te mato!

                  Protetor  de toda e qualquer criancinha  na hora abro a janela da vida  para esta  futura raivosa figura.

            Moral do lero:

           Hoje, ele está preso na Papuda – Penitenciária.

           Intimado, novamente sob chantagem, estou de novo nesta merda da fila de visita, mãe chorando abrindo a bolsa e a vagina, porque nela, diz o meganha, esconde o sustento da ex-criança para que ela não se torne, hoje, a mulher de um malandro enjaulado, e daí vou  levando o papo para que ele não visite  o meu ânus íntimo, peraí, mermão, sou jornalista,branco que nem tu, e ele dá  um tempo, se valoriza e me libera, a mim e a uma incógnita trouxinha de cocaína que vale ouro na cadeia.

            Final:

            Saio da cadeia  com o gosto doído no ouvido do filho da minha amiga me dizendo o seguinte:

            -Esta vida, tio, é uma droga.

           É  por isto que ele está fodido. Se fica só na Esplanada, aconselho no dantes, que maravilha, mas não, se mete a ser independente ou, como se diz na moda, autossustentável, auto-sustentável, alto lá, alguém me diz onde colocar esta merda deste hífen?

             – E minha mãe, como tá,tio?

             – No cemitério, dormindo, meu.

            Pós-saída:

             Entro no decadente ônibus linha 171,  Papuda -Rodoviária, cheia de mães,  moídas e doídas,  e eu, doido para uma fileira de coisa na vida, dou um sorriso e me lembro daquela criança filho da minha amiga. Que saudades, meu,  ele no telhado e a mãe dele embaixo de mim.

           –  Feliz Dia da Criança, meu pequeno marginal.

           Nota:

           Isto tudo não passa de ficção. Nenhuma amiga minha tem filho.

           Isto é para ser lito escutando Nana Caymi cantando:

          – Vem cá meu  mininu….